terça-feira, 29 de agosto de 2006

A cama e os cigarros

Para ler ouvindo Joni Mitchell.
Acendi um cigarro pra dormir e tu me puxou pela mão, segurou meu pulso, medindo e alisando as batidas do coração com o passar dos dedos, roubou um carinho ou dois e me soltou. Voltei o cigarro à boca, apertando os olhos, fechando a visão em ti e nas palavras derretidas pela fumaça, trazendo e levando o cigarro tragado num caminho limitado da boca à mão, criando desenhos incompreensíveis para mim e para ti. Tua conversa toma um ar sério e antes que eu perceba já estamos apagando o cigarro e a luz, deitando um ao lado do outro e emudecendo num silêncio onde tu encontras um caminho ou dois para me mostrar as virtudes e os cheiros, os movimentos e contornos. E quando tudo parece por acabar tu diz que não, que esperemos mais um pouco, e eu te olho cansado e explodo. Tu acendes a luz e os cigarros, pedindo espaço e rindo um pouco. Me diz uns delírios de Chico / Neruda que regam essas noites. Levanto o braço e encosto em ti, pedindo que me olhe daquele jeito que me deixa à vontade para pedir qualquer coisa, e é aí, então, que sei que dividimos um espaço quase paralelo à vida. E, quando tu chegas, num fim de tarde, e me traz uns segredos enrolados com as sacolas do pão e as chaves do carro, cravando frases em todos os móveis e paredes. E me sorri uma tentação, que convida para o quarto e despe as roupas antes da mão. E me sorri uma mordida que se ensaia pela coxa e acaba no peito, de repente, sem fazer muito alarde, sem muita dor ou desespero. Eu fecho os olhos porque a fumaça voltou, e dessa vez acertou as minhas palavras, e como da vez anterior, as palavras se derreteram na fumaça e escorreram por baixo da cama, lavando umas mentiras e outras coisas que nós não queríamos mais lembrar. As camisas se jogam no chão, desesperadas demais, depois as calças e os pedidos, e desta vez houve esforço demais, e me vem um cansaço, uma vontade de ti, de sono velado. Mas aí, já é noite e entra uma brisa de sono, que nos toma conta, que conta uma história e nos coloca na cama, nina os cabelos e diz boa noite.

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