terça-feira, 29 de agosto de 2006

Conto do amor que foi embora.

Em ti se acumularam as guerras e os vôos.
De ti alçaram as asas os pássaros do canto.
Tudo engoliste, como a distância. Como o mar,
Como o tempo. Tudo em ti foi naufrágio!
- Neruda -
Eu acordei e ele não estava mais lá. Eu fechei os olhos e procurei em mim, também não estava. Havia sumido, sem bilhete ou despedida. Um dia eu fechei os olhos e quando os abri ele não estava mais lá. Será que o esqueci em algum lugar? Eu levanto, olho nos corredores e na sala, mas não tem nada. Nenhum móvel, nenhuma cor, só as paredes que seguram o teto antes de cair na minha cabeça. As portas continuam trancadas e ele saiu, de algum modo, sem eu ver, no exato momento em que fechei os olhos. Teria sumido na escuridão da minha cabeça? Não, lá eu já procurei. Lá ele não está. Será que encontrou algum rio pelo qual nadou até chegar ao mar? Naufragou-se em si mesmo? Houve um tempo em que só havíamos nós e as paredes que ainda não ameaçavam cair sobre cabeça alguma. Não havia cor ou móvel, mas isso não importava, não precisávamos de objetos que distraíssem nossa atenção. Ele deve ter encontrado um modo de sair daqui, daqui da minha cabeça, daqui desse apartamento imundo e vazio. Eu só fechei os olhos porque queria ouvi-lo melhor. Não estava fugindo. Foi essa a impressão que dei? Não era minha intenção. Como será o corredor que me tira daqui, daqui desse apartamento imundo e vazio? Não! Sair nem pensar! Aqui é o único lugar que existe. Eu bato na porta na esperança de alguém entrar. Eu bato. Espanco. Quebro. Destruo. O que se abre é um corredor infinito, escuro. Não tem ninguém parado à porta para entrar. Eu já sabia. Só batia na porta para ter certeza de que ninguém queria mesmo entrar aqui, aqui na minha cabeça, aqui nesse apartamento imundo e vazio. Mas agora a porta está aberta e eu olho pelo corredor infinito e vejo milhares de portas que foram abertas aos socos. Milhares de libertos correndo livres para o nada. Eu vou correr também, e o que eu encontrar não importa, pois agora sei que existe milhares de cabeças e apartamentos imundos e vazios.

Um comentário:

ricardo disse...

correndo assim você ainda colide com alguma cabeça menos imunda e vazia.