terça-feira, 3 de outubro de 2006

Daqui a cem anos

Antes que eu seja você há de se conversar um pouco. Vem aqui mais perto. Vou te contar tudo sobre as neblinas que me povoam. Em dias de frio elas crescem e inflam contra as paredes da cabeça e um som me foge dos ouvidos. Durante os meses quentes acho que ela não aparece. Outros fenômenos se passam em meu estômago em dias de prova e fim de namoro. Furacões e tempestades se instalam nos pulmões e vez em quando exasperam sua raiva. Dentro de mim tem um lago profundo e dissimulado que oculta monstros adormecidos e lendas fantásticas. Toda vez que um mergulhador por ventura se aproxima dessa área desconhecida de mim mesmo redemoinhos se abrem e o sugam para uma morte lenta e agonizante. Tenho vontades às vezes que me fazem perder o norte das coisas. Alguns pensamentos me pegam de assalto e desencadeiam a revolta de todos esses perigos naturais. Na maior parte do tempo o mar está calmo, mas nos dias de ressaca houve-se todos os seres marinhos cantando embriagados. Nesses dias sou também azul e lépido. Vou me guiando por cheiros desconhecidos e acordo em qualquer cama. Mas o dia seguinte é generoso com os pensamentos. Eles nunca estiveram tão sóbrios e concentrados. Tens de querer, nesses dias calmos de domingo, me tirar do poço profundo. Apesar da sobriedade dos pensamentos. Não há embriagues mais atordoante que a dos pensamentos sóbrios. Me derrubam conclusivas. Esqueci de te dizer uma coisa: sofro de pesadelos. À noite, quando tudo se aquieta começa uma festa dentro da neblina da minha cabeça, sempre acordo um pouco assustado. Senta aqui nessa cama e me conta dos teus filhos, teus planos futuros. O que faremos daqui a cem anos? Terá o clima mudado aqui dentro de mim?

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